O vale dos Orixás:

REPOTAGEM REVISTA “ISTO É”

O vale dos Orixás:

O primeiro sinal de que os orixás estão sendo invocados é auditivo. É o som dos atabaques que avisa o início da sessão. Para contemplar a cena toda, é necessário se embrenhar pela Mata Atlântica. Só assim para acompanhar as atividades no Santuário Nacional da Umbanda, o maior do País. Localizado em uma área de 642 mil m2 entre os municípios paulistas de Santo André e São Bernardo do Campo, lá estão espalhadas 220 tendas onde pais e mães de santo levantam a poeira ao receber os espíritos. Caminhar pela natureza faz parte do conceito estabelecido por esse imenso agrupamento de terreiros de umbanda. O santuário se instalou, em regime de comodato, em uma área na qual existia uma pedreira no passado.

A ideia era recuperar o estrago feito na região. Hoje, 40 anos depois, 60 mil árvores já foram replantadas. E a fama do lugar, uma espécie de meca da Umbanda, alcança nível internacional.
Chamado também de vale dos orixás, o lugar se prepara para o primeiro centenário da religião, que nasceu no Rio de Janeiro em 1908. Uma imagem de 22 metros de Oxalá, orixá supremo da crença, está sendo construída – e por um japonês. Ela irá se juntar a outras dez estátuas (cada uma com dez metros) e aumentar os atrativos do santuário, que conta ainda com três cachoeiras onde acontecem rituais. Tamanha estrutura é administrada por pai Ronaldo Linares, um ex-radialista. Ela encontra um equivalente em outro conjunto de terreiros em São Paulo, mas este só permite a visita de associados. No Santuário Nacional, não se faz qualquer restrição aos visitantes, nem mesmo de crença. Ele está totalmente aberto ao público. Quem quiser conhecê-lo para desfrutar a natureza local não encontrará resistências. Não é à toa, portanto, que ele chega a receber duas mil pessoas por final de semana.

Todas essas facilidades têm atraído de latino-americanos a europeus. No ano passado, quatro senhoras católicas portuguesas passaram uma tarde no vale. “Elas perguntaram o que poderiam fazer, já que estavam despreparadas. Indiquei e elas acenderam velas em uma das imagens”, conta a diretora espiritual Dirce Paludetti. Alguns suecos levaram como recordação do lugar um pilão de 30 quilos. Já a uruguaia Susana Griçutt guarda na memória a visita feita em abril, quando fez uma oferenda a Ogum, um dos orixás mais populares ao lado de Iemanjá, Oxum e Xangô. “Nunca vi nada parecido, foi emocionante e quero retornar para as comemorações do centenário.” De fato, naquele país, um grupo de umbandistas do centro Oke Avo organiza uma visita em 2008. E o sucesso atravessa tanto as fronteiras que dois “filhos de fé” de pai Ronaldo montaram há seis meses, em Londres, um templo de umbanda. “Queremos transformar o santuário em polo turístico religioso voltado à cultura afro”, diz o pai Ronaldo.

O vale dos Orixás:

Professor de antropologia da USP, Vagner Gonçalves da Silva costuma levar seus alunos ao santuário para trabalhos de campo. “Eles assistem a várias giras diferentes nos terreiros”, conta Silva, autor de Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. “O santuário é um ponto de encontro para o umbandista conviver além de seu terreiro”, completa. O número de praticantes está em torno de 400 mil, de acordo com o censo 2000 do IBGE. É um grupo significativo que ainda sofre com os estigmas do passado. Se em meados do século XX enfrentava a repressão policial, hoje se depara com o preconceito dos evangélicos. “Sofremos preconceito por causa do lixo religioso, o despacho deixado em encruzilhada, estrada, beira de rio”, revela o securitário Carlos Fagiani, 31 anos, que escolheu o santuário para trocar alianças com Roneide de Arruda. Para a cerimônia, realizada no início do mês, compareceram 68 pessoas. Os noivos foram escoltados para a tenda por membros chamados de guardiões, andaram por cima de pipoca para o descarrego e entregaram oferendas a Oxum.

 

O vale dos Orixás:

Foto da revista ISTO É do Centro de Umbanda Geração da Fé.

Fonte: RODRIGO CARDOSO Fotos: ROGÉRIO ALBUQUERQUE/AG. ISTOÉ